quarta-feira, 10 de dezembro de 2008

O cavalo e o Cordeiro.

Ainda não atingi os objetivos preconizados por nossa cultura. Não me formei em absolutamente nada, não sou doutor, nem mestre em coisa alguma, nem sequer bacharel eu sou - não tenho diplomas. Não sou popular, não tenho status, dinheiro e nem poder e não sou influente. Pouca gente sabe que existo, e mesmo esses, que tem notícia da minha existência, em sua maioria não se importam. Não tenho também muitos amigos, mas os que tenho são bons. Já li um bocado de livros, mas nunca publiquei nenhum...

No entanto, tenho a benção de um olhar diferente, fruto de sofrimentos agudos e questionamentos profundos, que existem em mim desde a mais tenra infância. Ao contrário do que julgam alguns, não sou arrogante. Tenho um coração aberto pra alegrar-me com os que se alegram e partilhar o pranto dos que choram. Sou sensível ao choro, pois muitas vezes já chorei sozinho, sem ninguém que me enxugasse as lágrimas e conheço bem seu gosto salgado. Conheci também a doçura, de "anjos" que não me deixaram amargar, que até me mimaram bastante durante um certo período da vida: meus avós - que sempre foram mais do que pais.

Conheci o pânico como síndrome e a depressão como companheira de jornada que, fiel, raramente se ausentou durante o curso de meus anos de adolescência, e até em parte de minha infância. Conheci a solidão - e o sentir-me só - praticamente desde que tornei-me consciente de mim mesmo, e toda a dor que acompanha o sentimento de uma profunda inadequação aos padrões do mundo. Empenhei-me em procurar respostas e virei profissional na arte de mergulhos singulares, em apnéia, mergulhei nos livros e pra dentro de mim mesmo, não raras vezes, em atitudes suicidas, que, de quando em vez, materializavam-se também no mundo externo. Faltou-me fôlego em muitas ocasiões.

Conheci a Deus, primeiro como um vaga saudade, que não se sabe ao certo de que, ou de quem, e que como toda saudade, traz consigo angústia e inquietude pra alma. Conheci a Deus como objeto de busca, como alguém de quem, como Jó, eu ouvira apenas falar. Conhecia-o, na melhor das hipóteses, tão somente como se conhece, por alguma fotografia, um lugar em que nunca se esteve. Experimentei o que julgava ser sua ausência, já que eu por muito tempo não o percebi, e chguei ao ponto de confessar-me ateu. Que angustia vivi nesses tempos, por desejar intimamente Aquele ao qual, paradoxalmente, eu negava, negando assim a própria esperança.

Mas um dia, a exemplo de um homem de Tarso - que eu alias costumava criticar, tendo por base a obra de Nietzsche - ironicamente ouvi também a Voz e vi também a Luz, e assim, momentaneamente cego por sua intensidade, caí também do cavalo. Um cavalo grande, garboso, altivo, mas também assustado e fugitivo, que cortava à galope os campos em direção aos becos escuros, meu animal de estimação à época: Prepotência, era esse o seu nome.

Então, já sem meu cavalo, tendo que andar a pé e bastante confuso, tive a dimensão de minha pequenez, e por outro lado, me soube infinitamente amado. Perdi o cavalo, mas ganhei o Cordeiro, que me amou, e foi imolado em meu favor. Desde então, em sua mansidão e leveza, Ele tem me ensinado, a cada dia, a caminhar novamente, sujando os pés no chão poeirento da vida, em comunhão e humildade, na companhia de amigos-irmãos, pelo caminho eterno que só Ele é, e que nos leva de volta pra casa.

Otto

Perdizer - São Paulo